A dupla jornada de adolescentes aprendizes - entre escola e
trabalho - pode provocar alterações na saúde e na vida desse jovens. É o
que mostra a dissertação de mestrado Percepção de Jovens Aprendizes e
Estagiários sobre Condições de Trabalho, Escola e Saúde após Ingresso no
Trabalho, elaborado pela pesquisadora e psicóloga Andréa Aparecida da
Luz, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o estudo, os adolescentes que dividem seu tempo entre a escola, a
formação para a vida profissional e o trabalho aprendiz ou estágio
podem apresentar queda no desempenho escolar, perda ou ganho excessivo
de peso, sonolência e diminuição da capacidade de manter a atenção.
Para o estudo, Andréa fez uma pesquisa que envolveu 40 jovens, entre 14 e
20 anos de idade, sendo 20 aprendizes e 20 estagiários. Todos
participavam de um curso de preparação para o mercado de trabalho em uma
organização não governamental (ONG) localizada na zona sul de São
Paulo, dedicada a preparar jovens para o primeiro emprego. A ONG também é
responsável por encaminhar esses adolescentes, seja como aprendizes ou
como estagiários, para empresas parceiras. Esses jovens trabalhavam
durante o dia, estudavam no período noturno e frequentavam os programas
de aprendizagem e de estágio na ONG.
Em entrevista à Agência Brasil, Andréa contou ter observado, durante o
estudo, que os jovens passavam mais tempo no trabalho do que na escola.
“A dedicação do tempo diário deles é muito maior para trabalhar, para a
atividade laboral, do que para a formação e para o ensino.” A jornada
desses jovens chegava a 40 horas semanais entre trabalho e
acompanhamento da ONG, somada a 25 horas semanais de estudos.
“A carga horária do aprendiz, prevista na legislação, é seis horas [por
dia]. São seis horas na empresa, mas há que se considerar que ele
precisa se deslocar até uma instituição qualificadora, que atenda ao
programa de aprendizagem, e ficar lá por cerca de duas horas por dia.
Isso dá uma jornada, de segunda a sexta-feira, de 40 horas, somada a
quatro horas e meia de estudo no período noturno, o que dá uma jornada
de mais de 60 horas [semanais], o que é pesado para esses jovens”, disse
a pesquisadora.
Outro problema é que os adolescentes, segundo ela, acabam “abrindo mão”
de atividades de lazer e do convívio com parentes e amigos. Esses jovens
também relataram ter consumido mais café, refrigerante e doces para
ficarem mais tempo acordados ou menos sonolentos. Também foram
mencionados problemas relacionados a dores musculares, problemas
gastrointestinais e estresse.
Para compensar notas e frequências na escola, geralmente esses
adolescentes entram em acordo com professores, e se comprometem a fazer
trabalhos escolares. “Mas o aprendizado, aprender as coisas, discuti-las
e refletir sobre elas, coisas importantes que eles precisam no ensino
médio para futuramente tentar um vestibular ou uma faculdade, isso ficou
comprometido”, ressaltou.
Em geral, esses jovens precisam do trabalho para complementar a renda
familiar. “Em alguns momentos, a escolha chega a ser perversa. Ele é um
jovem que precisa trabalhar. Cerca de 65% da população que eu estudei
contribuíam com mais de 50% de seu salário [de aproximadamente R$ 465 na
época em que foi feito o estudo] em casa. Em caso de mãe e pai
desempregados, eles [jovens] contribuíam com 100% de seus salários..”
Um dos resultados desse estudo foi ter provocado mudanças na organização
da ONG, que resolveu alterar o horário do curso preparatório para
favorecer os jovens que moram longe e precisam acordar muito cedo. A ONG
também resolveu incluir temas sobre saúde e segurança no trabalho no
curso. “Não consegui uma mudança específica nas empresas. Mas fiquei
contente com a mudança que conseguimos na instituição, que fez uma
alteração na grade curricular tanto para os jovens que estão se
preparando quanto para os que já ingressaram no mercado de trabalho”,
disse Andréa.
Para a pesquisadora, o estudo demonstrou que é preciso fazer também
outras mudanças. Segundo relato dos jovens, por exemplo, a maioria das
empresas não promove treinamento com seus estagiários ou aprendizes, o
que chegou a contribuir para que muitos deles se acidentassem no
ambiente de trabalho ao usar guilhotinas ou manusear papéis e
equipamentos.
“Acredito que algumas mudanças nessa política de trabalho de jovens
merecem atenção. [É preciso haver] algumas rupturas como a de achar que
basta o jovem ingressar no mercado de trabalho que estará tudo
resolvido. O trabalho tem uma função importante na vida dele e ele
[jovem] se reconhece nesse trabalho. Mas deveria ser pensada uma carga
horária que não prejudicasse a escola. O aprendizado deveria ser
valorizado em primeiro lugar nesses programas e não a exploração da mão
de obra desses jovens. A legislação deveria olhar mais para isso.”
O estudo foi feito entre os anos de 2008 e 2010. Parte dele foi
apresentada no 30º Congresso Internacional sobre Saúde Ocupacional,
ocorrido em março deste ano em Cancún, no México. Concorrendo com mais
de 60 estudantes de vários países, Andréa teve seu estudo premiado com o
primeiro lugar.
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